ATÉ QUE DEUS É UM VENTILADOR DE TETO

De Hugo Possolo
Direção Pedro Granato

Os fundadores dos Parlapatões encenam texto inédito de Hugo Possolo (indicado ao Prêmio Shell 2013 como melhor autor por Eu Cão Eu) que mergulha de maneira metafísica na crise de um homem de meia idade

Escrito especialmente para o Dramamix, das Satyrianas 2014, Até que deus é um ventilador de teto segue a mesma vertente dramatúrgica onde realidade e imaginação se mesclam sem distinção nas ações das personagens. Para a montagem, os Parlapatões convidaram o diretor Pedro Granato buscando uma linguagem intensa e contemporânea, que possa colocar a poesia do texto para dialogar com o público, trazendo uma plasticidade que revele os incômodos e prisões cotidianas de uma pessoa de classe média de uma grande cidade.

Até que deus é um ventilador de teto conta a história de um jornalista de cinquenta anos, um redator, que de dentro de seu carro imagina que um velho senhor, vendedor de balas no semáforo, possa ser um deus que desceu à terra para observar a vida dos homens. Ele é sequestrado e tem como vigia o tal velho que já conhecia da rua. Suas reflexões revelam a relação deste homem com o mundo, com sua mulher e seu filho.

Pedro Granato acredita que “esse homem, cansado de tantas relações virtuais e do esvaziamento de sentido da vida, é catapultado para reflexões metafísicas que misturam o risco da vida real com delírios de sua cabeça”. Por isso, sua encenação coloca “o homem cercado em um pequeno aquário que representa todos os espaços em que vive confinado: sua mesa no escritório, seu carro com ar condicionado e sua lanchonete de costume”.

Já o misterioso velho, em sua tarefa de vigiar e aguardar ordens, desmistifica o tempo todo aquilo que o homem imagina, trazendo certo humor negro à relação entre eles. Revela uma total descrença com a vida e coloca o homem em pânico diante de sua falta de esperança.

Para Possolo “a situação leva o homem a ponderar sobre seus excessos e a redimensionar sua vida até aquele momento. Fisgado pelo trabalho maçante ele perdeu a conexão com sua família. Preso em uma grande sala, que ele supõe ter sido uma igreja evangélica ou refeitório de uma escola, ele percebe que seus valores mudaram, que seus sonhos se transformaram e que suas expectativas foram jogadas sobre seu filho”, afirma o autor e ator.

Até que deus é um ventilador de teto trata com humor a crise de um homem que se vê tomado por compromissos e vivendo uma situação limite de perigo e que pode colocar a sua vida em perspectiva. A encenação foge do descritivo e abre espaço para o poder simbólico das imagens. O texto gira em torno de como o medo integra a vida dos brasileiros que, cercados pela violência e todo o imaginário que ela carrega, mudam suas relações, gerando preconceitos e dificultando aproximações mais humanas.

A direção de Pedro Granato pretende trazer, por meio de efeitos de luz e sonoplastia que interagem com a cena, uma interpretação que coloque os Parlapatões, Hugo Possolo e Raul Barretto, no limiar do drama e do humor negro que o texto aponta, flertando com uma desconstrução, que foge do naturalismo, para revelar a alma das duas personagens.

A iluminação de Aline Santini trabalha o isolamento da personagem em contradição com o imenso espaço que vai encontrar em seu cativeiro, buscando também jogar com os signos urbanos que nos sufocam diariamente, com os matizes de cores e a pulsação de um semáforo.

A trilha de Raul Teixeira busca trabalhar os respiros da cena, como uma pontuação minimalista das emoções que transitam e das imagens criadas pelo homem que faz reflexões diante de seu desespero.

A cenografia de Diego Dac e Saulo Santos, do Ateliê Russo, deixa o homem ficar preso a uma cadeira, um aquário que é, ao mesmo tempo, seu carro, escritório e cativeiro, por onde o velho circula com liberdade e poder. Uma leitura crua sobre a maneira como a classe média lida com seu medo da violência urbana.

Se equilibrando entre emoção, humor, absurdo e reflexão os Parlapatões dão mais um passo em sua pesquisa artística para trazer dilemas dos dias de hoje ao palco.

O texto inédito de Hugo Possolo encontra na encenação de Pedro Granato espaços para serem completados pela plateia com imagens fortes e sintéticas.

Um espetáculo onde até deus pode ser um ventilador de teto.

Texto de Hugo Possolo, direção Pedro Granato

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